CAMISETAS
E CARAPUÇAS
Todo
ser humano pensa, portanto, julga e, por conseguinte, emite algum juízo de
valor sobre aquilo que toma conhecimento, direta ou indiretamente. Aqueles que não
se pronunciam devem ter suas razões, podem ser alienados, ou podem reservar a
si o direito de serem “cidadãos invisíveis” (aqueles que só são cidadãos quando
são forçados a ser “cidadãos”, nas eleições, por exemplo), aqueles que se
mantêm uma espécie de desconhecedores da realidade à sua volta, uma espécie de
antítese do filósofo, pois, se o fossem, não guardariam suas considerações apenas
para amigos e familiares, ou para si mesmos, e calariam. Pelo contrário, achariam
um meio de “botar a boca no trombone”, doesse a quem doesse. Esse é papel por
excelência do filósofo.
Fatos
polêmicos fazem parte da vida, devido à diversidade de pensamentos, e devem ser
encarados com naturalidade, e nem sempre como casos de justiça ou de polícia,
principalmente se forem considerados à luz da Filosofia. Mas a tendência hoje
em dia é de processar aqueles que têm e emitem opiniões opostas às nossas. Uma
verdadeira guerra de “opiniões”, sem que se compreenda que as opiniões podem ou
não traduzir a “realidade”, e isso é simplesmente uma questão de perspectiva –
e cada um tem a sua perspectiva do mundo ao seu redor.
O
sensacionalismo já faz parte do jornalismo brasileiro há décadas, embora no
âmbito restrito do jornalismo nacional, isso possa ser negado. O filósofo não
pode ser cerceado nem constrangido a favorecer este ou aquele modo de pensar,
ainda que tal modo seja o vigente em sua sociedade. A própria sociedade,
evolutivamente, transgride ou ultrapassa seus próprios valores, considerando
prioritariamente aquilo que de melhor ou mais apropriado se dispõe para ela. Ou
seja, a sociedade é constituída de cidadãos, melhor dizendo, de pessoas, que
sentem necessidades de agir de forma a serem mais felizes ou, pelo menos,
viverem melhor. Esse “melhor” é um padrão inusitado, que, em muitos casos,
entra em conflito com a moral vigente (na maioria dos casos, com a hipocrisia
reinante).
Por
isso, levantarei aqui dois casos recentes, que precisam, ao meu ver, da luz
filosófica, sob pena de caírem (como muitos
outros têm caído, infelizmente) nas malhas da ignorância populista e,
consequentemente, do linchamento moral injustificado. Refiro-me, primeiramente,
ao caso específico das camisetas da grife do Luciano Huck, as quais traziam os
dizeres “Vem ni mim que eu to facim”, que levou o apresentador global a ser acusado
de incentivo à pedofilia e, automaticamente, forçado a recolher as camisetas (por
falta de argumentação lógica, diga-se de passagem). O segundo caso que
abordarei, diz respeito diretamente a mim, por ser maranhense, mas nem por isso
cega-me os olhos ou obscurece minha razão, deixando-me à vontade para discutir,
ainda que contrariando muitos dos meus conterrâneos, que se sentiram ofendidos (com razão, é claro!).
Assim
que tomei conhecimento do caso sobre as camisetas do Huck, fui buscar a
repercussão de toda a polêmica suscitada na mídia devoradora. Se eu tivesse que
avaliar estatisticamente (coisa que eu detesto) a aprovação ou desaprovação da
opinião pública, chegaria ao índice de aproximadamente 90% de desaprovação,
pois há, atualmente, uma tendência, que se pretende “politicamente correta”, de
enxergar por toda parte os possíveis males à sociedade, sobretudo, às minorias, às classes consideradas menos favorecidas ou mais frágeis. O povo, em geral, tende a ser
solidário com essas classes, porém, é apressado em condenar ou apreciar ações
contra ou a favor delas. Mas o que é o povo, senão uma “massa de manobra” (não
sou eu quem o diz! já o disseram)?
Penso que, antes de admitirmos um “erro” da campanha da grife (ou do apresentador global), deveríamos tentar entender o objetivo dela ao estampar nas camisetas tais palavras. Sabemos muito bem que empresas de grande porte são ousadas em lançar seus produtos, no intuito de fixarem suas marcas e, muitas vezes o fazem rompendo com padrões éticos e morais (não me ocuparei de citar nomes de empresas ou campanhas). Não raro, essas empresas pagam um preço alto (em dinheiro vivo mesmo) pela ousadia, mas lucram muito mais com a repercussão de seus anúncios. Mas eu não estou aqui para avaliar essa prática dissimulada da competição mercadológica. Sou um filósofo, e me atenho a observar e questionar comportamentos e atitudes da sociedade à minha volta. Por isso, me parece conveniente citar as considerações de um filósofo brasileiro polêmico, que gosta de casos polêmicos, provavelmente por ser de sua natureza (no que não o julgo mal).
Trata-se de Paulo Ghiraldelli Jr, que, em seu artigo “Luciano Huck e as acusações (erradas) de incentivo à pedofilia”, diz: “Um mundo filiado à KKK é um mundo de tarados. Este é o seu mundo, e talvez você mesmo, especialmente quando você implica com Luciano Huck pela camiseta, acreditando que se uma criança a veste então está chamando o abusador infantil, que você chama de “pedófilo” (por não saber o que é pedofilia)”, e conclui: “Está na hora de fazermos a camiseta com os dizeres: “não venha ni mim se você não tem o ensino fundamental”. Ah, não dá, esqueci que no Brasil, em termos de diploma, todo mundo termina a escola!”. Como vemos, Ghiraldelli, percebendo o descabido de tanta polêmica, tece sua crítica mordaz aos que se arvoram como juízes e/ou defensores de crianças inocentes, mas não conseguem perceber o quanto podem estar redondamente enganos.
O segundo caso (que me diz respeito) é de uma tal Isabela Cardoso que supostamente teria postado no Facebook críticas preconceituosas e inverdades contra o povo, a cultura e a educação maranhenses. Teriam sido essas as suas palavras, segundo os maranhenses que põem a cabeça da suposta caluniadora a prêmio: “Finalmente em casa, depois de 1 ano e 7 meses na SUSANO de Imperatriz eu e meu esposo retornamos a nossa cidade”. Tudo bem até aí, mas então ela continua: “Estado pobre. Kkkkkkk. A cultura do maranhense é horrível. O carnaval é um lixo “Tal de bumba meu boi, tambor de crioula”. A maioria das Mulheres são piriguetes e os Homens malandros. Mais da metade das pessoas são semi-analfabetos”.
Eu poderia facilmente mostrar a essa “jovem” quantos erros ela cometeu, tanto na língua portuguesa quanto na sua análise do povo maranhense, ou mesmo fazer fileira com os muitos conterrâneos justificavelmente ofendidos, mas prefiro me posicionar contra a maré das evidências e das tendências barristas e, como bom filósofo que suponho ser, tecer uma autocrítica mais salutar e menos apelativa.
Todos nós possuímos, bem ou mal, a capacidade crítica de emitir juízos de valor sobre coisas, pessoas, eventos e o que mais se puser à nossa observação ou (con)vivência. Ainda que não expressemos ao mundo (como é possível, nas redes sociais) aquilo que achamos, não quer dizer que não tenhamos tido tal “impressão”. Quando somos apresentados a uma pessoa, automaticamente, uma série de valores já incorporados em nós, fazem dela uma “representação”, um “esboço”, que pode ou não corresponder ao que ela realmente é ou a como ela “parece” aos outros (principalmente, aos que lhe são “próximos”). Considerando dessa maneira, a tal “Isabela” tem todo o direito de tecer as considerações mais absurdas sobre o Maranhão, seu povo e sua cultura, embora possamos argumentar que, sem um pingo de razão, ela não restringe a tecer seus comentários e observações aos seus familiares e amigos, em particular, mas o faz numa exposição caluniosa através de uma rede social de grande alcance). A primeira medida proposta pelos “ofendidos” é também expor sua postagem na mesma rede social, onde centenas de outros maranhenses também a reproduziriam), para que, chegando ao conhecimento das autoridades protetoras contra as ofensas morais na Internet, essa jovem “infratora” seja penalizada.
Ora, chegamos ao fim da análise de dois casos aparentemente diferentes e desconexos, mas que, na verdade, convergem para um único centro – a miopia social. Seria muito mais lógico e justo, no caso da camiseta do Huck, antes de concluir como uma “apologia da pedofilia”, buscar junto a ele ou sua empresa qual o objetivo da campanha, que aparentemente não soava bem. Porém, é mais lucrativo para a imprensa sensacionalista e mais glorioso para a gentalha, atirar na “fogueira da Inquisição pós- moderna” (mas ainda “medieval”, insisto) a iniciativa da campanha, e o próprio Luciano Huck (simplesmente por ser da Globo). E, no segundo caso, seria uma demonstração de muito mais orgulho pela nossa “terrinha” (sem aceitarmos a carapuça medonha que ela nos queria fazer usar) argumentar com a própria jovem mal-informada, através da mesma rede social em questão, o que o seu Estado ou Cidade de origem têm de melhor do que o Maranhão ou a cidade de Imperatriz, já que ela precisou, junto com seu marido, trabalhar por aqui e não por lá (onde há se supor que é tudo de bom e do melhor). Em seguida, independente de qualquer resposta desagradável que se possa obter dela (deve-se esperar de tudo, até “um coice”), informá-la de que sua cultura “livresca” e “superficial” a impediu de desfrutar do acolhimento e da amizade de um povo que, exatamente por ser provinciano (porém, não “selvagem” ou “primitivo”, como ela o supõe), tem um folclore (bumba-meu-boi e tambor de crioula, entre outros) que atrai e encanta turistas de todos os cantos do mundo, como os bem-educados da Europa, porém, infelizmente, só não a uma ignorante da laia dela.